DISFUNÇÃO VASCULAR E OBESIDADE
A atual epidemia de obesidade tem
resultado num aumento de interesse sobre as consequências da obesidade na
saúde.
A obesidade está associada com um certo
número de resultados de saúde adversos. Estes incluem um aumento do risco de
desenvolvimento subsequente da diabetes mellitus tipo 2 e um aumento do risco
de doença cardiovascular. Em conjunto estas entidades representam já a maior
parte da morbilidade e mortalidade em países industrializados e a perspetiva de
uma explosão demográfica com aumento de suscetibilidade à doença ameaça anular
os avanços significativos feitos na prevenção da doença cardiovascular que
observámos nas últimas décadas.
Apesar de muitos passos adiante, ainda há
muito por fazer para compreender melhor a patogénese da disfunção vascular na
obesidade.
OBESIDADE E FACTORES INFLAMATÓRIOS E TROMBÓTICOS
Os fatores genéticos e ambientais podem
ter um impacto muito importante sobre as consequências metabólicas e
cardiovasculares da obesidade, embora os mecanismos pelos quais os fatores
genéticos modificam os efeitos da obesidade são largamente desconhecidos.
O perímetro da cintura reflete o tecido
adiposo abdominal subcutâneo e visceral, sendo utilizado como um índice geral
de massa adiposa central (do tronco). O tecido adiposo visceral foi proposto
como o principal determinante de complicações metabólicas e cardiovasculares da
obesidade.
O tecido adiposo constítui um órgão
secretor ativo que elabora uma variedade de moléculas conhecidas como
"adipocinas".
Existe cada vez mais evidência que revela
que as adipocinas, marcadores inflamatórios, fatores de coagulação e os
sistemas fibrinolíticos estão envolvidos no processo da doença cardiovascular.
Contudo, a extrema complexidade de todos estes sistemas e o facto dos fatores
estarem por vezes correlacionados uns com os outros, orna difícil estudar os
efeitos e determinantes de cada fator em separado. De igual modo, conclui-se
que as alterações dos níveis destas moléculas pró-inflamatórias derivadas dos
adipócitos e pró-coagulantes estão envolvidas a vários graus com a obesidade. O
mecanismo biológico subjacente a estas associações não está ainda completamente
compreendido.
SÍNDROME DA APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO
A síndrome de apneia obstrutiva do sono
SAOS) tem sido reconhecida cada vez mais como uma doença relativamente comum,
com importantes consequências clínicas para os indivíduos afetados.
Vários são os mecanismos potenciais
através dos quais a SAOS pode contribuir para a doença cardiovascular,
incluindo mecanismos pelos quais se pode sobrepor ou interagir com os efeitos
da obesidade.
A SAOS é descrita como uma alteração
caracterizada por episódios repetitivos de obstrução das vias aéreas superiores
que ocorrem durante o sono, geralmente associados com uma redução da saturação
de oxigénio no sangue. Os sintomas associados incluem ressonar ruidoso, sono
fragmentado e sonolência diurna.
Os doentes com apneia do sono são
tipicamente caracterizados por um índice de apneia-hipopneia (AHI) ou índice de
alteração respiratória (RDI), que é o número médio de apneias e de hipopneias
por hora de sono.
Fisiopatologia
O principal evento da SAOS é o colapso
recorrente da via aérea faríngea, que ocorre caracteristicamente no início do
sono e durante o sono REM (rapid eye movement). Embora continue o esforço
respiratório, este encerramento faríngeo impede uma ventilação eficaz. As
apneias e hipopneias conduzem a hipoxia e hipercapnia substanciais, sendo
necessário geralmente um despertar para restabelecer a permeabilidade da via
aérea e reassumir a ventilação. Este ciclo de colapso faríngeo recorrente com
subsequente despertar conduz ao principal sintoma do SAOS - a sonolência
diária.
O colapso da via aérea faríngea ocorre
entre as coanas (por trás do septro nasal) e a epiglote, tipicamente por trás
do paladar mole, da língua ou uma combinação de ambos. Este evento é
provavelmente um produto de uma deficiente autonomia faríngea e influencia a
função muscular da faringe. A via aérea faríngea humana é relativamente
característica, devida ao facto de não possuir o suporte ósseo rígido
encontrado noutros mamíferos. Portanto, a permeabilidade da via aérea superior
depende de um equilíbrio de forças entre os músculos das vias aéreas superiores
dilatando a faringe e a pressão aérea negativa intraluminal gerada pelos
músculos da bomba respiratórios durante a inspiração, com tendência para a
colapsar. Para além disso, a dependência individual da atividade muscular
dilatadora da faringe é provavelmente um produto da anatomia intrínseca e da
colapsidade da sua via aérea. Os indivíduos com uma via aérea anatomicamente
ampla podem ser menos dependentes dos músculos para manter a permeabilidade da
via aérea do que alguém com uma via aérea anatomicamente pequena.
Existe abundante evidência que sugere a
existência de diferenças anatómicas da via aérea faríngea entre os doentes com
SAOS e os controlos. A radiologia cefalométrica revelou que os doentes com SAOS
apresentam uma redução do comprimento da mandíbula, um osso hióide em posição
baixa e uma retroposição dos maxilares. Utilizando técnicas imagiológicas mais
sofisticadas, incluindo TAC, técnicas de reflexão acústicas e mais recentemente
a RM, um certo número de investigadores revelaram que os doentes com apneia do
sono apresentam um lúmen da via aérea de menores dimensões do que os
controladores. Estudos recentes de Schwab et al. demonstraram também um certo
número de alterações dos tecidos moles em doentes com apneia, incluindo um
aumento do volume da língua, do paladar mole, do almofadado adiposo
parafaríngeo, e das paredes laterais em redor da faringe. A variedade observada
das dimensões das vias aéreas é provavelmente determinada por influências
genéticas sobre a estrutura óssea, dimensões da língua, tecidos amigdalinos,
etc., assim como fatores adquiridos com a obesidade. Esta pode afetar a
dimensão faríngea através da deposição direta de gordura em redor da via aérea
ou alteração da orientação e função dos músculos.
Os músculos de importância primordial
situam-se em três grupos: a) os músculos que influenciam a posição do osso
hióide, b)o músculo da língua, c) os músculos do paladar. A atividade de muitos
destes músculos está aumentada durante a inspiração, tornando mais rígida e
dilatando a via aérea superior e contrariando a influência colapsante da
pressão negativa da via aérea. Estes são referidos como músculos inspiratórios
da via aérea superior. A atividade destes músculos está substancialmente
reduzida, embora não anulada, durante a expiração (ativação tónica), quando a
pressão no interior da via aérea se torna positiva e existe menor tendência
para o colapso.
Outros músculos, os dominados músculos
tónicos ou posturais, tal como o tensor do palatino, que não demonstram
consistentemente uma atividade inspiratória, mas, em vez disso mantém um nível
relativamente constante de actividade ao longo do ciclo respiratório. Pensa-se
que exercem igualmente uma função na permeabilidade da via aérea. A atividade
dos músculos dilatores da faringe pode ser influenciada por um certo número de
estímulos fisiológicos. A estimulação química (a elevação da pressão parcial do
dióxido de carbono ou a queda da pressão parcial do oxigénio. De um modo talvez
mais importante, a pressão negativa na faringe ativa acentuadamente estes
músculos. Esta resposta à pressão negativa é provavelmente regulada pela
pressão ou por receptores sensíveis ao estiramento. É este mecanismo de recetores
que está está provavelmente ativado num indivíduo com uma via aérea anatomicamente
pequena, em resposta a uma pressão negativa maior, estiramento da via aérea ou
o próprio colapso.
No doente com apneia, com uma via aérea
anatomicamente pequena, existe evidência de que este reflexo de pressão ativa
está ativado, levando ao aumento da atividade muscular dilatadora como um
mecanismo de compensação neuromuscular. Este facto foi demonstrado no
genioglosso que, em doentes com apneia, funciona a cerca de 40% da sua
capacidade máxima com o indivíduo acordado, enquanto que no indivíduo de
controlo, o músculo funciona a cerca de apenas 12% do seu máximo.
Portanto se não fosse este aumento de atividade
dos músculos dilatadores faríngeos, a via aérea do doente com apneia seria
substancialmente estreito ou colapsaria mesmo com o indivíduo acordado. O sono
tem um efeito mensurável sobre a permeabilidade da via aérea em qualquer
pessoa. No doente com apneia existe um aumento com regulação reflexa da atividade
muscular dilatadora que compensa a anatomia deficiente com o indivíduo
acordado. Vários estudos indicam uma atenuação acentuada ou perda deste
mecanismo reflexo, mesmo em indivíduos normais durante o sono. Com a perda
deste reflexo, o mecanismo compensador neuromuscular do doente com apneia
perde-se, levando à diminuição da atividade muscular dilatadora e ao colapso da
via aérea. Em indivíduos normais, que não estão dependentes desta atividade
muscular dilatadora com regulação reflexa, esta perda poderia estar associada
com uma elevação da resistência da via aérea superior, mas a permeabilidade
está mantida.
Tratamento
As atuais estratégias terapêuticas da SAOS
são dirigidas para o alargamento da via aérea faríngea, tornando-a, portanto,
menos suscetível ao colapso, ou utilizando pressão positiva para
pneumaticamente manter permeável a via aérea durante o sono. Embora exista uma
terapêutica eficaz com esta orientação, a aceitação por parte do doente desta
terapêutica é com frequência abaixo do que seria ideal e estão continuamente em
investigação novas abordagens terapêuticas.
Uma vez que a obesidade constitui o
preditor mais importante de apneia, seria de esperar que a perda de peso
conduza a um aumento das dimensões da via aérea e a uma melhoria da respiração
durante a perturbação do sono. De facto, comprovou-se que a perda de peso pode
conduzir a uma diminuição do RDI, redução da pressão arterial, melhoria da
eficiência do sono, redução do ressonar, melhoria da oxigenação e uma redução
da necessidade de utilizar pressão positiva (CPAP). Os resultados mais
acentuados foram descritos com uma perda de peso por meios cirúrgicos, sendo a
série mais extensa descrita por Sugerman et al. que avaliaram 36 doentes, com
uma perda de peso típica entre 40 a 50kg. A apneia do sono foi melhorada em
todos os indivíduos e foi curada em alguns. Desde a sua descrição inicial em 1981, a
CPAP, aplicada por máscara nasal, tem sido a terapia primária de doentes com
SAOS. O dispositivo consiste numa máscara ligada a uma unidade que mantém
pressão positiva na via aérea a níveis definidos, através de alteração de
fluxo, atuando como uma bomba pneumática sobre a via aérea faríngea. A CPAP
prescrita é tipicamente determinada no laboratório de estudo do sono, como a
pressão que é necessária para eliminar totalmente o ressonar e a alteração
respiratória durante o sono, em todos os estados do sono, em todas as posições
do corpo. Existe uma forte evidência no sentido de melhorias das medidas da
sonolência e da função neurocognitiva com CPAP nasal. Apesar da eficácia quase
universal da CPAP no tratamento da apneia do sono, apresenta importantes
limitações no que se refere à adesão. Estes problemas relacionam-se
principalmente com a interface facial (máscara) e a pressão necessária para
impedir o colapso da vi aérea, surgindo intolerância à terapêutica em muitos
doentes. Quando avaliada de forma objetiva a adesão à CPAP varia entra 50 a
70%, sendo o preditor da adesão mais importante a perceção do doente
relativamente à melhoria do seu estado com a CPAP.
Epidemologia
Epidemologia
Estudos epidemiológicos sugerem
que a SAOS é bastante frequente em adultos de meia idade, com uma prevalência
provável de 2 a 4%, que é semelhante à asma ou à diabetes mellitus.O género masculino constitui um importante
fator de risco para o desenvolvimento de alterações respiratórias durante o
sono. Em estudos de populações de clínicas de sono, a proporção de homens e
mulheres situa-se em 10:1. A idade parece ser um fator de risco
independente com o desenvolvimento de apneia, na maioria dos estudos.
SAOS o Obesidade
A SAOS e a obesidade ocorrem
geralmente em conjunto. 25 a 75% dos indivíduos obesos apresentam SAOS. Os
indivíduos obesos com o maior risco cardiovascular são os que mais
provavelmente apresentam também alterações respiratórias. Contudo a relação
entre as medidas da obesidade e a gravidade SAOS é apenas moderada e não é
linear.
SAOS como factor de risco da
obesidade
A obesidade é claramente um
forte fator de risco da SOAS. Existe também alguma evidência que a SAOS pode
predispor também à obesidade. Os indivíduos com apneia do sono apresentam
elevação dos níveis de peptina para além do esperado para o seu grau de obesidade.
A leptina, uma hormona produzida pelos adipócitos ´, é um importante
regularizador do peso a longo prazo, ao estimular os centros de saciedade do
hipotálamo. foi estabelecido que o nível aumentado de leptina encontrado no
SAOS representa uma resistência adicional aos efeitos anoréticos da leptina e,
portanto, uma predileção para um aumento de peso adicional. O mecanismo de
resistência à leptina está pouco claro, mas parece ser reversível, uma vez que
o tratamento com CPAP resulta em reduções a nível comparável ao de controlos de
IMC equivalentes. Para além destes efeitos metabólicos, a
SAOS tem efeitos neuropsicológicos que podem predispor ao aumento de peso. A privação do sono aumenta os sintomas de
fome e de consumos de alimentos. A hormona estimulante do apetite, a
grelina, está elevada em doentes com apneia do sono e a terapêutica com CPAP
conduz a reduções dos níveis.
Resumo
Em resumo, a SAOS é uma complicação extremamente frequente da obesidade. esta doença expõe o doente a hipoxia e hipercapnia recorrentes, grandes oscilações de pressão intra-toráxica e fragmentação do sono. Estas alterações noturnas conduzem a alterações do normal funcionamento de várias vias fisiológicas, afetando o sistema neurológico, metabólico, inflamatório e hemostático. O resultado final destas alterações em termos clínicos está só agora a ser bem compreendido. Os dados que existem implicam a SAOS como um fator de risco independente de hipertensão. Apesar da SAOS estar claramente associada com outras doenças cardiovasculares, para além da obesidade e da diabetes, é necessária mais investigação para melhor esclarecer as relações etiológicas responsáveis por esta associação. A SAOS pode ser uma causa destas doenças, mas muitas delas podem predispor a SAOS. Para além disso, estas alterações podem partilhar fatores de risco comuns, para além da obesidade e dos padrões de distribuição da gordura. É provável que existam vários tipos de relações etiológicas, tornando os estudos longitudinais e de intervenção decisivos para se compreender melhor a importância da SAOS na doença cardiovascular. Entretanto, dada a elevada prevalência da SAOS nestas patologias, deve ser excluída a presença de sintomas atribuíveis a SAOS em todos os doentes com obesidade, diabetes e doença cardiovascular, e devem ser levados a cabo exames complementares de diagnóstico se a história for sugestiva.
Em resumo, a SAOS é uma complicação extremamente frequente da obesidade. esta doença expõe o doente a hipoxia e hipercapnia recorrentes, grandes oscilações de pressão intra-toráxica e fragmentação do sono. Estas alterações noturnas conduzem a alterações do normal funcionamento de várias vias fisiológicas, afetando o sistema neurológico, metabólico, inflamatório e hemostático. O resultado final destas alterações em termos clínicos está só agora a ser bem compreendido. Os dados que existem implicam a SAOS como um fator de risco independente de hipertensão. Apesar da SAOS estar claramente associada com outras doenças cardiovasculares, para além da obesidade e da diabetes, é necessária mais investigação para melhor esclarecer as relações etiológicas responsáveis por esta associação. A SAOS pode ser uma causa destas doenças, mas muitas delas podem predispor a SAOS. Para além disso, estas alterações podem partilhar fatores de risco comuns, para além da obesidade e dos padrões de distribuição da gordura. É provável que existam vários tipos de relações etiológicas, tornando os estudos longitudinais e de intervenção decisivos para se compreender melhor a importância da SAOS na doença cardiovascular. Entretanto, dada a elevada prevalência da SAOS nestas patologias, deve ser excluída a presença de sintomas atribuíveis a SAOS em todos os doentes com obesidade, diabetes e doença cardiovascular, e devem ser levados a cabo exames complementares de diagnóstico se a história for sugestiva.
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