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29/12/18

Lendo "Obesidade e Doença Cardiovascular," 2º Fascículo, edição 2007





DISFUNÇÃO VASCULAR E OBESIDADE

A atual epidemia de obesidade tem resultado num aumento de interesse sobre as consequências da obesidade na saúde.
A obesidade está associada com um certo número de resultados de saúde adversos. Estes incluem um aumento do risco de desenvolvimento subsequente da diabetes mellitus tipo 2 e um aumento do risco de doença cardiovascular. Em conjunto estas entidades representam já a maior parte da morbilidade e mortalidade em países industrializados e a perspetiva de uma explosão demográfica com aumento de suscetibilidade à doença ameaça anular os avanços significativos feitos na prevenção da doença cardiovascular que observámos nas últimas décadas.
Apesar de muitos passos adiante, ainda há muito por fazer para compreender melhor a patogénese da disfunção vascular na obesidade.


OBESIDADE E FACTORES INFLAMATÓRIOS E TROMBÓTICOS

Os fatores genéticos e ambientais podem ter um impacto muito importante sobre as consequências metabólicas e cardiovasculares da obesidade, embora os mecanismos pelos quais os fatores genéticos modificam os efeitos da obesidade são largamente desconhecidos.
O perímetro da cintura reflete o tecido adiposo abdominal subcutâneo e visceral, sendo utilizado como um índice geral de massa adiposa central (do tronco). O tecido adiposo visceral foi proposto como o principal determinante de complicações metabólicas e cardiovasculares da obesidade.
O tecido adiposo constítui um órgão secretor ativo que elabora uma variedade de moléculas conhecidas como "adipocinas".
Existe cada vez mais evidência que revela que as adipocinas, marcadores inflamatórios, fatores de coagulação e os sistemas fibrinolíticos estão envolvidos no processo da doença cardiovascular. Contudo, a extrema complexidade de todos estes sistemas e o facto dos fatores estarem por vezes correlacionados uns com os outros, orna difícil estudar os efeitos e determinantes de cada fator em separado. De igual modo, conclui-se que as alterações dos níveis destas moléculas pró-inflamatórias derivadas dos adipócitos e pró-coagulantes estão envolvidas a vários graus com a obesidade. O mecanismo biológico subjacente a estas associações não está ainda completamente compreendido.


SÍNDROME DA APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO

A síndrome de apneia obstrutiva do sono SAOS) tem sido reconhecida cada vez mais como uma doença relativamente comum, com importantes consequências clínicas para os indivíduos afetados.
Vários são os mecanismos potenciais através dos quais a SAOS pode contribuir para a doença cardiovascular, incluindo mecanismos pelos quais se pode sobrepor ou interagir com os efeitos da obesidade.
A SAOS é descrita como uma alteração caracterizada por episódios repetitivos de obstrução das vias aéreas superiores que ocorrem durante o sono, geralmente associados com uma redução da saturação de oxigénio no sangue. Os sintomas associados incluem ressonar ruidoso, sono fragmentado e sonolência diurna.
Os doentes com apneia do sono são tipicamente caracterizados por um índice de apneia-hipopneia (AHI) ou índice de alteração respiratória (RDI), que é o número médio de apneias e de hipopneias por hora de sono.

Fisiopatologia
O principal evento da SAOS é o colapso recorrente da via aérea faríngea, que ocorre caracteristicamente no início do sono e durante o sono REM (rapid eye movement). Embora continue o esforço respiratório, este encerramento faríngeo impede uma ventilação eficaz. As apneias e hipopneias conduzem a hipoxia e hipercapnia substanciais, sendo necessário geralmente um despertar para restabelecer a permeabilidade da via aérea e reassumir a ventilação. Este ciclo de colapso faríngeo recorrente com subsequente despertar conduz ao principal sintoma do SAOS - a sonolência diária.
O colapso da via aérea faríngea ocorre entre as coanas (por trás do septro nasal) e a epiglote, tipicamente por trás do paladar mole, da língua ou uma combinação de ambos. Este evento é provavelmente um produto de uma deficiente autonomia faríngea e influencia a função muscular da faringe. A via aérea faríngea humana é relativamente característica, devida ao facto de não possuir o suporte ósseo rígido encontrado noutros mamíferos. Portanto, a permeabilidade da via aérea superior depende de um equilíbrio de forças entre os músculos das vias aéreas superiores dilatando a faringe e a pressão aérea negativa intraluminal gerada pelos músculos da bomba respiratórios durante a inspiração, com tendência para a colapsar. Para além disso, a dependência individual da atividade muscular dilatadora da faringe é provavelmente um produto da anatomia intrínseca e da colapsidade da sua via aérea. Os indivíduos com uma via aérea anatomicamente ampla podem ser menos dependentes dos músculos para manter a permeabilidade da via aérea do que alguém com uma via aérea anatomicamente pequena.
Existe abundante evidência que sugere a existência de diferenças anatómicas da via aérea faríngea entre os doentes com SAOS e os controlos. A radiologia cefalométrica revelou que os doentes com SAOS apresentam uma redução do comprimento da mandíbula, um osso hióide em posição baixa e uma retroposição dos maxilares. Utilizando técnicas imagiológicas mais sofisticadas, incluindo TAC, técnicas de reflexão acústicas e mais recentemente a RM, um certo número de investigadores revelaram que os doentes com apneia do sono apresentam um lúmen da via aérea de menores dimensões do que os controladores. Estudos recentes de Schwab et al. demonstraram também um certo número de alterações dos tecidos moles em doentes com apneia, incluindo um aumento do volume da língua, do paladar mole, do almofadado adiposo parafaríngeo, e das paredes laterais em redor da faringe. A variedade observada das dimensões das vias aéreas é provavelmente determinada por influências genéticas sobre a estrutura óssea, dimensões da língua, tecidos amigdalinos, etc., assim como fatores adquiridos com a obesidade. Esta pode afetar a dimensão faríngea através da deposição direta de gordura em redor da via aérea ou alteração da orientação e função dos músculos.
Os músculos de importância primordial situam-se em três grupos: a) os músculos que influenciam a posição do osso hióide, b)o músculo da língua, c) os músculos do paladar. A atividade de muitos destes músculos está aumentada durante a inspiração, tornando mais rígida e dilatando a via aérea superior e contrariando a influência colapsante da pressão negativa da via aérea. Estes são referidos como músculos inspiratórios da via aérea superior. A atividade destes músculos está substancialmente reduzida, embora não anulada, durante a expiração (ativação tónica), quando a pressão no interior da via aérea se torna positiva e existe menor tendência para o colapso.
Outros músculos, os dominados músculos tónicos ou posturais, tal como o tensor do palatino, que não demonstram consistentemente uma atividade inspiratória, mas, em vez disso mantém um nível relativamente constante de actividade ao longo do ciclo respiratório. Pensa-se que exercem igualmente uma função na permeabilidade da via aérea. A atividade dos músculos dilatores da faringe pode ser influenciada por um certo número de estímulos fisiológicos. A estimulação química (a elevação da pressão parcial do dióxido de carbono ou a queda da pressão parcial do oxigénio. De um modo talvez mais importante, a pressão negativa na faringe ativa acentuadamente estes músculos. Esta resposta à pressão negativa é provavelmente regulada pela pressão ou por receptores sensíveis ao estiramento. É este mecanismo de recetores que está está provavelmente ativado num indivíduo com uma via aérea anatomicamente pequena, em resposta a uma pressão negativa maior, estiramento da via aérea ou o próprio colapso.
No doente com apneia, com uma via aérea anatomicamente pequena, existe evidência de que este reflexo de pressão ativa está ativado, levando ao aumento da atividade muscular dilatadora como um mecanismo de compensação neuromuscular. Este facto foi demonstrado no genioglosso que, em doentes com apneia, funciona a cerca de 40% da sua capacidade máxima com o indivíduo acordado, enquanto que no indivíduo de controlo, o músculo funciona a cerca de apenas 12% do seu máximo.
Portanto se não fosse este aumento de atividade dos músculos dilatadores faríngeos, a via aérea do doente com apneia seria substancialmente estreito ou colapsaria mesmo com o indivíduo acordado. O sono tem um efeito mensurável sobre a permeabilidade da via aérea em qualquer pessoa. No doente com apneia existe um aumento com regulação reflexa da atividade muscular dilatadora que compensa a anatomia deficiente com o indivíduo acordado. Vários estudos indicam uma atenuação acentuada ou perda deste mecanismo reflexo, mesmo em indivíduos normais durante o sono. Com a perda deste reflexo, o mecanismo compensador neuromuscular do doente com apneia perde-se, levando à diminuição da atividade muscular dilatadora e ao colapso da via aérea. Em indivíduos normais, que não estão dependentes desta atividade muscular dilatadora com regulação reflexa, esta perda poderia estar associada com uma elevação da resistência da via aérea superior, mas a permeabilidade está mantida.

Tratamento
As atuais estratégias terapêuticas da SAOS são dirigidas para o alargamento da via aérea faríngea, tornando-a, portanto, menos suscetível ao colapso, ou utilizando pressão positiva para pneumaticamente manter permeável a via aérea durante o sono. Embora exista uma terapêutica eficaz com esta orientação, a aceitação por parte do doente desta terapêutica é com frequência abaixo do que seria ideal e estão continuamente em investigação novas abordagens terapêuticas.
Uma vez que a obesidade constitui o preditor mais importante de apneia, seria de esperar que a perda de peso conduza a um aumento das dimensões da via aérea e a uma melhoria da respiração durante a perturbação do sono. De facto, comprovou-se que a perda de peso pode conduzir a uma diminuição do RDI, redução da pressão arterial, melhoria da eficiência do sono, redução do ressonar, melhoria da oxigenação e uma redução da necessidade de utilizar pressão positiva (CPAP). Os resultados mais acentuados foram descritos com uma perda de peso por meios cirúrgicos, sendo a série mais extensa descrita por Sugerman et al. que avaliaram 36 doentes, com uma perda de peso típica entre 40 a 50kg. A apneia do sono foi melhorada em todos os indivíduos e foi curada em alguns. Desde a sua descrição inicial em 1981, a CPAP, aplicada por máscara nasal, tem sido a terapia primária de doentes com SAOS. O dispositivo consiste numa máscara ligada a uma unidade que mantém pressão positiva na via aérea a níveis definidos, através de alteração de fluxo, atuando como uma bomba pneumática sobre a via aérea faríngea. A CPAP prescrita é tipicamente determinada no laboratório de estudo do sono, como a pressão que é necessária para eliminar totalmente o ressonar e a alteração respiratória durante o sono, em todos os estados do sono, em todas as posições do corpo. Existe uma forte evidência no sentido de melhorias das medidas da sonolência e da função neurocognitiva com CPAP nasal. Apesar da eficácia quase universal da CPAP no tratamento da apneia do sono, apresenta importantes limitações no que se refere à adesão. Estes problemas relacionam-se principalmente com a interface facial (máscara) e a pressão necessária para impedir o colapso da vi aérea, surgindo intolerância à terapêutica em muitos doentes. Quando avaliada de forma objetiva a adesão à CPAP varia entra 50 a 70%, sendo o preditor da adesão mais importante a perceção do doente relativamente à melhoria do seu estado com a CPAP.

Epidemologia
Estudos epidemiológicos sugerem que a SAOS é bastante frequente em adultos de meia idade, com uma prevalência provável de 2 a 4%, que é semelhante à asma ou à diabetes mellitus.O género masculino constitui um importante fator de risco para o desenvolvimento de alterações respiratórias durante o sono. Em estudos de populações de clínicas de sono, a proporção de homens e mulheres situa-se em 10:1. A idade parece ser um fator de risco independente com o desenvolvimento de apneia, na maioria dos estudos.


SAOS o Obesidade
A SAOS e a obesidade ocorrem geralmente em conjunto. 25 a 75% dos indivíduos obesos apresentam SAOS. Os indivíduos obesos com o maior risco cardiovascular são os que mais provavelmente apresentam também alterações respiratórias. Contudo a relação entre as medidas da obesidade e a gravidade SAOS é apenas moderada e não é linear.

SAOS como factor de risco da obesidade
A obesidade é claramente um forte fator de risco da SOAS. Existe também alguma evidência que a SAOS pode predispor também à obesidade. Os indivíduos com apneia do sono apresentam elevação dos níveis de peptina para além do esperado para o seu grau de obesidade. A leptina, uma hormona produzida pelos adipócitos ´, é um importante regularizador do peso a longo prazo, ao estimular os centros de saciedade do hipotálamo. foi estabelecido que o nível aumentado de leptina encontrado no SAOS representa uma resistência adicional aos efeitos anoréticos da leptina e, portanto, uma predileção para um aumento de peso adicional. O mecanismo de resistência à leptina está pouco claro, mas parece ser reversível, uma vez que o tratamento com CPAP resulta em reduções a nível comparável ao de controlos de IMC equivalentes. Para além destes efeitos metabólicos, a SAOS tem efeitos neuropsicológicos que podem predispor ao aumento de peso. A privação do sono aumenta os sintomas de fome e de consumos de alimentos. A hormona estimulante do apetite, a grelina, está elevada em doentes com apneia do sono e a terapêutica com CPAP conduz a reduções dos níveis.

Resumo
Em resumo, a SAOS é uma complicação extremamente frequente da obesidade. esta doença expõe o doente a hipoxia e hipercapnia recorrentes, grandes oscilações de pressão intra-toráxica e fragmentação do sono. Estas alterações noturnas conduzem a alterações do normal funcionamento de várias vias fisiológicas, afetando o sistema neurológico, metabólico, inflamatório e hemostático. O resultado final destas alterações em termos clínicos está só agora a ser bem compreendido. Os dados que existem implicam a SAOS como um fator de risco independente de hipertensão. Apesar da SAOS estar claramente associada com outras doenças cardiovasculares, para além da obesidade e da diabetes, é necessária mais investigação para melhor esclarecer as relações etiológicas responsáveis por esta associação. A SAOS pode ser uma causa destas doenças, mas muitas delas podem predispor a SAOS. Para além disso, estas alterações podem partilhar fatores de risco comuns, para além da obesidade e dos padrões de distribuição da gordura. É provável que existam vários tipos de relações etiológicas, tornando os estudos longitudinais e de intervenção decisivos para se compreender melhor a importância da SAOS na doença cardiovascular. Entretanto, dada a elevada prevalência da SAOS nestas patologias, deve ser excluída a presença de sintomas atribuíveis a SAOS em todos os doentes com obesidade, diabetes e doença cardiovascular, e devem ser levados a cabo exames complementares de diagnóstico se a história for sugestiva.


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