República em Crise:
Os Gracos e os cavaleiros
Roma e a Itália e toda a bacia mediterrânica padeciam de
enormes tensões sociais no século II a.C. devido ao aumento do fosso entre as grandes
famílias e a maioria dos cidadãos ainda mais empobrecidos pela superabundância
de mão-de-obra escrava, que atingiu cifras próximas de 50% da população total, muitos
vivendo na clandestinidade e provocando revoltas que, por vezes, fizeram abanar
a estrutura social.
Dois jovens tribunos da plebe, irmãos, Tibério e Gaio Graco,
implementaram então reformas espectaculares para remediar os problemas. Tibério
ascendeu ao tribunado em 134 a.C. e iniciou uma reforma agrária que visava
distribuir parcelas individuais de terra dos latifundia (imensas propriedades
fundiárias de que o Estado se apossara após a segunda guerra púnica e que eram
exploradas por algumas famílias ricas de patrícios mediante um pagamento
meramente simbólico).
Tibério tinha o projecto de acabar com a pobreza urbana e
aumentar o número de homens livres com bens suficientes para poderem servir no
exército. A fim de contornar eventuais resistências Tibério decidiu submeter a
proposta directamente ao voto dos comícios sem a apresentar previamente ao
Senado, o que não sendo ilegal era contrário aos costumes de Roma. Então quando
o outro tribuno, Octávio, vetou a lei, Tibério convenceu a assembleia a uma
decisão sem precedentes: a exoneração de Octávio. Foi desta forma que a lei
agrária foi aprovada e nomeada uma comissão para a pôr em prática, de que se
destacavam Tibério e o seu jovem irmão Gaio. Tibério com estas atitudes tinha
feito demasiados inimigos, começando a suspeitar-se que os seus métodos
autoritários visassem o poder absoluto. Assim, em 133 a.C., logo que a
assembleia iniciou uma reunião eleitoral no Capitólio, uma violenta discussão
explodiu, degenerando rapidamente em rixa. Os senadores amotinaram-se em massa
e os seus clientes acorreram em seu socorro, matando Tibério e 300 dos seus
partidários à bastonada.
Foi a primeira vez em quatro séculos que houve derramamento
de sangue em Roma num conflito civil. Tibério tinha posto em marcha o que
certamente não queria: a desagregação da oligarquia romana.
Muitos senadores, entre os quais Cipião Emiliano,
regozijaram-se com o fim de Tibério e tentaram paralisar a actividade dos
funcionários encarregados de aplicar as leis agrárias, mas em vão. A lei foi
aplicada e contribuiu para retardar a ruína dos pequenos camponeses.
Em 133 a.C. Gaio Graco foi eleito tribuno. Orador consagrado,
a sua eloquência e diplomacia valeram-lhe apoios de todos os quadrantes. Fez-se
eleger sem qualquer obstáculo para um segundo mandato. Reforçou as leis
agrárias de seu irmão e completou-as com medidas que previam a criação de colónias
romanas à volta de grandes centros como Cartago e Tarento. Reformou os
tribunais, ao criar uma lei em que os jurados deveriam passar a ser da classe
equestre. Era a subida ao poder duma classe com prestígio social, muitos tinham
enriquecido como cobradores de impostos (publicanos) e depois constituído
grandes fortunas em negócios de contratos de percepção relativos a trabalhos
públicos e aprovisionamento do exército. Os «cavaleiros da finança» eram um grupo
muito activo. De tempos a tempos, quando se mostravam demasiado ávidos e
deixavam somente uma pequena parte aos senadores, eclodiam conflitos. Com as
leis de Gaio Graco acabou a homogeneidade dos quadros que governavam o Estado.
Até à época de Gaio Graco, as tentativas de enriquecimento pessoal dos publicanos mantiveram-se dentro de limites razoáveis, mas quando Gaio propôs um novo tribunal composto exclusivamente por cavaleiros a situação alterou-se completamente. Esta proposta pode ser considerada o ponto de partida daquilo que virá a ser a ordem equestre enquanto grupo social distinto.
Até à época de Gaio Graco, as tentativas de enriquecimento pessoal dos publicanos mantiveram-se dentro de limites razoáveis, mas quando Gaio propôs um novo tribunal composto exclusivamente por cavaleiros a situação alterou-se completamente. Esta proposta pode ser considerada o ponto de partida daquilo que virá a ser a ordem equestre enquanto grupo social distinto.
A Gaio deparou-se em seguida o problema escaldante do
estatuto dos aliados de Roma na esfera latina e no resto da Itália. Os aliados
tinham desempenhado um papel determinante durante a Segunda Guerra Púnica e era
o momento indicado para lhe conceder a plena cidadania romana. Contudo o Senado
não estava disposto a conceder direito de voto a homens de quem nunca teria o
voto e assim o estatuto de aliado manteve-se inalterado. Para compensar os
aliados italianos foi-lhes oferecida uma parte das pequenas propriedades
criadas a partir do parcelamento das terras do Estado, mas o Senado não
autorizou os comissários a aplicar esta medida. Gaio decidiu que este ponto não
era negociável e propôs em 122 a.C um novo projecto de lei visando conceder a
cidadania romana a todos os latinos e nas outras cidades italianas aos
administradores romanos, oferecendo em lugar do direito, todas as vantagens
privadas da cidadania. Mas esta medida ambiciosa, digna de um homem de estado,
foi ultrapassada por uma proposta astuciosa de um candidato conservador ao
lugar de tribuno, que fez votar uma lei que ia mais longe. Gaio viu-se atado de
pés e mãos e quando ia supervisionar a sua nova colónia de Cartago, rumores
maléficos de que o lugar trazia mau agouro, enfraqueceram ainda mais a sua
posição. Em 121 a.C. quando se apresentou pela terceira vez ao lugar de
tribuno, não foi eleito. O seu fim estava próximo. Na sequência duma rixa entre
apoiantes e opositores do projecto de colonização de Cartágo, um doméstico do
senador Oprímio foi morto. Este aproveitou-se desse facto para convencer o
Senado a declarar o estado de sítio e o próprio Oprímio assumiu a liderança dum
grupo de senadores e cavaleiros que atacaram Gaio e o mataram. Improvisaram-se
rapidamente simulacros de processos e 3000 partidários de Gaio Graco foram
executados. O decreto que autorizou este acto foi, mais tarde, baptizado de
«senatus consultum ultimum». Este expediente foi utilizado diversas vezes no
decurso dos agitados decénios seguintes.
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