As Religiões no Império Romano
A primeira religião oriental que
chegou a Roma foi a do culto da deusa Cibele e do seu amante Átis – um par
divino da mesma natureza que os deuses adorados em templos na Grécia minóica.
Cibele, chamada a grande mãe, simbolizava a fecundidade e a força da natureza.
Quando do pânico criado pela segunda guerra púnica, o Senado decidiu que o
velho Panteão romano precisava de reforços. Foram consultados os livros sibilinos
e, em seguida, enviou-se uma embaixada ao rei de Pérgamo, na Ásia Menor. O
potentado aceitou, como um favor especial feito aos Romanos, enviar a Roma o
velho símbolo do culto primitivo de Cíbele, uma pedra meteorítica preta, a qual
foi colocada, primeiramente, no templo da Vitória, no monte Palatino, mais
tarde, os Romanos construíram um templo em honra desta deusa. A importação de
uma nova religião era um sinal dos tempos, os romanos começavam a adquirir um
horizonte internacional. Mas o Senado tomou o cuidado de impedir que os
cidadãos romanos participassem no verdadeiro exercício deste culto – na realidade,
demasiado exótico e que era preferível reservar para sacerdotes vindos da
Frígia. Com efeito, os fiéis eram aspergidos com o sangue das vítimas que
deviam purificar o homem dos seus pecados e torná-lo imortal.
De uma natureza completamente
diferente era o culto de Ísis, «a mais civilizada das religiões bárbaras».
Tinha também a sua origem em antiquíssimas crenças religiosas referentes às
ceifas e à alternância das estações. Ísis era oriunda do Egipto. Entrou cedo em
Roma. O seu grande santuário de Roma foi construído durante o reinado de
Calígula. No centro do culto encontrava-se Ísis, a deusa mãe que tinha ao colo
o seu filho Osíris. O culto prestado a Ísis tinha grandeza, com os seus
sacerdotes barbeados e envergando vestes de imaculada brancura. Pela penitência
e pela purificação (de natureza material, é certo), o ritual místico conduzia à
comunhão com a divindade e a uma espécie de ressurreição espiritual.
Mais tarde, sobretudo no século
III, apareceram por todo o Império Romano algumas divindades masculinas.
Estava-se no tempo dos imperadores-soldados, um período de guerras permanentes;
a situação prestava-se bastante ao aparecimento duma crença própria para
impressionar as legiões. A forma mais simples dessa crença, estabelecida para
agradar aos imperadores-soldados, era o culto do Sol Invictus, o Sol
invencível. Esta divindade toda poderosa e triunfante, que estendia a sua mão
sobre Roma e as suas legiões, estava identificada com o imperador. Não pode
chamar-se ao culto do Sol Invictus uma religião no sentido mais elevado do
termo (que pressupõe uma relação entre o crente e a divindade), mas antes um
compromisso entre a religião de estado e a propaganda imperial. Desde César que
os grandes senhores do império eram, após a sua morte, adorados como deuses; no
entanto os Romanos resistiram tanto quanto foi possível, à divinização em vida
dos imperadores.
No Oriente a situação era
diferente. Os Egípcios, por exemplo, não podiam levar a sério um soberano que
não fosse, ao mesmo tempo, um deus. Ignorar esta tradição teria sido uma grave
falta política. Quanto mais cosmopolita se tornava o Império Romano, mais os Orientais
e as ideias orientais penetravam nas províncias ocidentais e até em Roma e mais
o culto do imperador ganhava terreno. No século III já ninguém protestava,
nenhum velho romano fazia ouvir a sua irritada voz. Nesta época o culto do
imperador era muito mais do que uma manifestação de ambição autocrática. O
império atravessava uma crise. A adoração votada ao chefe do estado como se
fosse uma divindade exprimia a submissão. Décio e Diocleciano não podiam
permitir-se a mínima tolerância para com esses sectários chamados cristãos e que se recusavam a adorar a
imagem do imperador. Por isso o i9mperador divinizado veio a acrescentar-se às
divindades que o cristianismo tinha de combater.
Um outro deus-soldado, Mitra,
impôs-se igualmente aos homens desse tempo, e de uma maneira também diferente.
Mitra estava muito próximo do Sol Invencível e o seu culto foi favorecido pelos
imperadores, a partir de Cómodo. Quis a sorte, ironicamente, que fosse um
imperador perverso e sádico a dar à religião de Mitra a sua posição predominante
em Roma.
Mitra chegou, sem dúvida, ao
mundo romano através da Pérsia, o país de Zaratrusta. Os persas viram nele o
intermediário entre as potencias celestes de Ormuzd e as potencias maléficas de
Arimânio. É por isso que Mitra está próximo do homem no combate entre o bem e o
mal. O mito conta que Mitra foi um poderoso guerreiro e caçador que combateu o
deus-sol e, em seguida, se tornou seu amigo. Na aurora do mundo capturou o
grande touro que simboliza aquele. Sacrificou o touro por ordem do deus-sol;
desta oferenda saíram o novo mundo e todos os seres vivos.
Os adeptos de Mitra eram
obrigados a lutar do lado do bem contra o mal; a sua doutrina ensinava as boas
obras e o perdão. A iniciação na comunidade Mitra comportava sete graus e cada
um deles possuía o seu cerimonial próprio. Um ritual impressionante e
característico fazia do impetrante o soldado da divindade. A cerimónia
terminava pela entrega duma coroa – a distinção honorífica mais apreciada dos
legionários -, que devia ser recusada. A honra cabia ao deus. O culto de Mitra
facultava a estes soldados mal educados um ideal cavalheiresco. O sentido do
dever e a disciplina eram exaltados como as virtudes mais perfeitas. O programa
religioso do culto de Mitra tinha um pronunciado carácter viril.
Como se comportavam os velhos
deuses olímpicos na época imperial? Oficialmente mantinham a sua posição privilegiada;
nos veneráveis templos antigos conservavam-se como os guardas da tradição. Mas
já não preenchiam essa função na vida religiosa do povo, enquanto as classes
dirigentes há muito procuravam o seu suporte espiritual nos sistemas
filosóficos, como sejam as doutrinas dos cépticos, dos epicuristas e dos
estóicos.
Baco – o Dionísio dos Gregos –
era uma excepção, não como deus do vinho, mas como representante de todos os
aspectos vivos e férteis da natureza. O culto de Baco conciliava-se
perfeitamente com as novas religiões orientais. Tinha o princípio da expressão
pessoal dos sentimentos místicos; pela êxtase, o iniciado podia aproximar-se da
divindade.
O que caracterizava então as
religiões populares da época imperial, contra as quais o cristianismo tinha de
lutar? O que é que lhes permitia impor-se aos espíritos? O que é que as
diferençava do culto prestado aos deuses do Olimpo?
Em primeiro lugar eram religiões
de mistério. Numa religião de mistério os fiéis formam uma comunidade fechada e
os novos adeptos penetram nela após iniciação segundo um cerimonial particular.
A iniciação comporta várias fases e atinge o seu ponto culminante no contacto
pessoal com a divindade. O homem procura nestas religiões de mistério o meio de
se elevar acima do terrestre, de ultrapassar a morte, de se garantir a vida
eterna. Um culto é sempre enobrecido pelo desejo de eternidade, mesmo num culto
de natureza tão grosseira como o prestado a Cibele. Na antiga religião, o reino
de Hades não podia atrair ninguém. Mas a própria morte não punha termo ao
alegre cortejo de Dionísio; a alma humana que, durante a sua vida terrestre, se
tinha consagrado a Dionísio podia esperar uma participação no poder divino e,
assim, vencer a morte.
Existiam outras religiões de
mistério, outras vias que conduziam à vida eterna. Havia muitas pessoas que
confiam em Hermes, o guia das almas. Os velhos mistérios gregos de Elêusis que
se ligavam às deusas do trigo Deméter e Cora (Perséfona) atraíram grandes
multidões durante toda a antiguidade. Sila, Cícero e os melhores imperadores
romanos contavam-se entre os seus iniciados. Outros, ainda, faziam de Orfeu o
seu profeta. Os restos dos sarcófagos dos séculos II e III que chegaram até
nós, mostram-nos o desejo de imortalidade representado por mil símbolos. O
norte-africano Apuleio, romancista dos últimos tempos da Antiguidade e
fervoroso adorador de Ísis deixou-nos um esplêndido exemplo de lenda baseada no
desejo de imortalidade surgido nessa época, na história de Amor e Psiqué. Amor,
o deus do amor, ama Psiqué, uma princesa mortal. Os dois amantes estão
separados e Psiqué tem de empreender uma viagem longa e perigosa, mas o amor
fá-la triunfar de todas as privações até poder reunir-se ao seu apaixonado em
núpcias celestes. Psiqué significa «calma»; em centenas de sarcófagos
encontramos a pequena Psiqué a voar ao encontro de Amor, simbolizando assim o
amor, um sentimento que para os romanos, vencia todos os perigos, mesmo amorte,
e fazia a alma humana participar na vida eterna.
(Carl Grimberg)