D. Gilvaz; D. Fuas; D. Tibúrcio; D. Lancerote,
velho; D. Clóris, D. Nise, sobrinhas de D. Lancerote; Sevadilha, graciosa
criada; Fagundes, velha criada; Semicúpio, gracioso criado de D. Gilvaz.
Cenas
da I Parte
I – Prado, com casaria no
fim
II – Câmara
III – Praça
IV – Gabinete
Cenas
da II Parte
I – Praça
II – Sala
III – Câmara
IV – Praça
V – Câmara
VI – Jardim
VII – Sala.
PARTE 1
CENA 1
Cenas
da I Parte
I – Prado, com casaria no
fim
II – Câmara
III – Praça
IV – Gabinete
Cenas
da II Parte
I – Praça
II – Sala
III – Câmara
IV – Praça
V – Câmara
VI – Jardim
VII – Sala.
PARTE 1
CENA 1
Prado com casaria no fim.
Entram D. Clóris, D. Nise e Sevadilha com os rostos cobertos; e
D. Fuas, D.
Gilvaz e Semicúpio seguindo-as
D. Gilvaz
Diana destes bosques, cessem os acelerados desvios desse
rigor, pois quando rémora1 me suspendeis, sois íman que me atraís.
(Para D. Clóris
D. Fuas
Flora destes prados,
suspendei a fatigada porfia3 de vosso desdém, que essa discorde fuga
com que me desenganais é harmoniosa atração de meus carinhos; pois nos passos
desses retiros forma compassos o meu amor. (Para D. Nise)
Semicúpio
E tu, que vens
atrás, serás a Siringa4 destas brenhas5; e, para o seres
com mais propriedade, deixa-te ficar mais atrás, pois apesar dos esguichos de
teu rigor, hei-de ser conglutinado6 rabo-leva7 das tuas
costas. (Para Sevadilha)
D. Clóris
Cavalheiro, se é que
o sois, peço-vos que me não sigais, que mal sabeis o perigo a que me expõe a
vossa porfia8. (Para D. Gilvaz)
D. Gilvaz
Galhardo9
impossível, em cujas nubladas esferas ardem ocultos dois sóis e se abrasa
patente um coração, permiti que esta vez seja fineza a desobediência; porque
seria agravo de vossos reflexos negar-lhe o inteiro culto da visualidade desse
esplendor; porque assim, formosa ninfa, ou hei-de ver-vos ou seguir-vos, por que
conheça, já que não o sol desse oriente, ao menos o oriente desse sol.
D. Clóris
Que será de mim, se
este homem me seguir? (Aparte)
D. Nise
Já parece teima essa
porfia! Vede, Senhor, que se me seguis, que impossibilitais o meio para ver-me
outra vez.
D. Fuas
Para que são,
belíssimo encanto, esses avaros melindres do repúdio? Se já comecei a
querer-vos, como posso deixar de seguir-vos? Pois até não saber, ou quem sois,
ou aonde habitais, serei eterno girassol de vossas luzes.
Sevadilha
Ora basta já de
porfia; senão, vou revirando. (Para Semicúpio)
Semicúpio
Tem mão, sarjeta
encantadora, que com embiocadas10 denguices, feita papão das almas,
encobres olho e meio, para matares gente de meio olho! Escusados são esses
esconderelos11, pois pela unha desse melindre conheço o leão dessa
cara.
D. Clóris
Isso já parece teima.
D. Gilvaz
Isto é querer-vos.
D. Nise
Isso é porfia.
D. Fuas
É adorar-vos.
Sevadilha
Isso é empurração.
Semicúpio
Àgora! Isto é
bichancrear, pouco mais ou menos!
D. Gilvaz
Senhoras, para que
nos cansamos? Ainda que pareça grosseria não obedecer, entendei que a nossa
curiosidade e amor não permitirá que vos ausenteis, sem ao menos com a certeza
de vos tornarmos a ver, dando-nos também o seguro de onde morais, para que
possa o nosso amor multiplicar os votos na peregrinação desses animados templos
da formosura.
D Fuas
Eis ali, Senhora, o
que queremos.
Sevadilha
Em termos sem tirar
nem pôr.
D. Clóris
Pois Senhor, se só
por isso esperais, bastará que esse criado nos siga; porque de outra sorte
destruís o mesmo que edificais.
D. Gilvaz
E admitireis a minha
fineza?
D. Clóris
Sendo verdadeira,
porque não?
D. Fuas
Admitireis os
repetidos sacrifícios de meu amor?
D. Nise
Sim, se for amor
constante.
D. Gilvaz e D. Fuas
Quem essa dita me
abona?
D. Nise
Este ramo de
manjerona. (Para D. Fuas)
D. Fuas
Na minha alma o
desporei, para que sempre em virentes pompas se ostente troféu da Primavera.
D. Gilvaz
Mereça eu igual
favor para segurança da vossa palavra.
D. Clóris
Este ramo de
alecrim, que tem as raízes no meu coração, seja o fiador que me abone.
D. Gilvaz
Por único na minha
estimação será este alecrim o Fénix das plantas, que, abrasando-se nos
incêndios de meu peito, se eternizará no seu mesmo ardor.
Semicúpio
Isso é bom, segurar
o barco; mas a tácita hipoteca não me cheira muito, digam o que quiserem os
jardineiros.
D. Clóris
Cada uma de nós
estima tanto qualquer dessas plantas, que mais fácil será perder a vida, do que
elas percam o crédito de verdadeiras.
Semicúpio
Ai! Basta, basta! Já
aqui não está quem falou. Vossas mercês perdoem que eu não sabia que eram do
rancho do alecrim e manjerona. Resta-me também que tu, cozinheirazinha, vivas
arranchada com alguma ervinha que me dês por prenda, pois também me quero
segurar.
Sevadilha
Eis aí tem esse
malmequer, que este é o meu rancho. Estime-o bem; não o deixe murchar.
Semicúpio
Ditoso seria eu, se
o teu malmequer se murchasse!
D. Clóris
Pois Senhor, como
estais satisfeito, desejarei estimásseis esse ramo, não tanto como prenda
minha, mas por ser de alecrim.
D. Nise
O mesmo vos
recomendo da manjerona.
D. Clóris
Advertindo que
aquele que mais extremos fizer a nosso respeito coroará de triunfos a manjerona
ou alecrim, para que se veja qual destas duas plantas tem mais poderosos
influxos para vencer impossíveis.
D. Nise
Desejaria que
triunfasse a manjerona. (Vai-se)
D. Clóris
E eu o alecrim. (Vai-se)
Sevadilha
Cuidado no
malmequer! (Vai-se)
Semicúpio
Cuidado no
bem-me-quer!
D. Gilvaz
Ó Semicúpio vai
seguindo-as, para sabermos aonde moram. Anda; não as percas de vista.
Semicúpio
Elas já lá vão a
perder de vista; mas eu pelo faro as encontrarei, que sou lindo perdigueiro
para estas caçadas. (Vai-se)
D. Fuas
Quem serão, amigo D.
Gilvaz, essas duas mulheres?
D. Gilvaz
Essa pergunta não
tem resposta, pois bem vistes o cuidado com que vendaram o rosto, para ferir os
corações como Cupido; mas, pelo bom tratamento e asseio, indicam ser gente
abastada.
D. Fuas
Oxalá que assim
fora, porque em tal caso, admitindo os meus carinhos, poderei com a fortuna de
esposo ser meeiro no cabedal.
D. Gilvaz
Ai, amigo D. Fuas,
que direi eu, que ando pingando, pois já não morro de fome, por não ter sobre
que cair morto?
D. Fuas
Elas foram aturdidas
com palanfrórios.
D. Gilvaz
Já que do mais somos
famintos, ao menos sejamos fartos de palavras.
Entra Semicúpio
Semicúpio
Já fica assinalada
na carta de marear toda a costa, de leste a oeste, com seus cachopos e baixios!
D. Gilvaz
Aonde moram?
Semicúpio
São as nossas
vizinhas, sobrinhas de D. Lancerote, aquele mineiro velho que veio das minas o
ano passado.
D. Fuas
Basta que são essas!
Por isso elas cobriram o rosto!
Semicúpio
Isso têm elas, que
não são descaradas; antes são tão sisudas, que nunca encararam para ninguém.
D. Gilvaz
Uma delas sei eu que
se chama D. Clóris.
Semicúpio
E a outra D. Nise.
Isso sabia eu há muito tempo.
D. Fuas
E como saberei eu
qual delas é a da manjerona?
Semicúpio
Isso é fácil! Em
sabendo-se qual é a do alecrim, logo se sabe qual é a manjerona!
D. Fuas
Grande subtileza!
Vamos D. Gil.
Semicúpio
Já que se vão,
advirtam de caminho que, segundo as notícias que tenho, bem podem desistir da
empresa; porque o velho é tão cioso das sobrinhas, como do dinheiro. A casa é
um recolhimento; as portas, de bronze; as janelas, de encerado; as frestas são
óculos de ver ao longe, que nem ao perto se veem; as trapeiras são zimbórios
tão altos, que nem as nuvens lhes passam por alto; as paredes do jardim são
mestras e as chaves das portas discípulas, porque ainda não sabem abrir; mas só
o bem que há, e é que tendo tudo tão forte, só o telhado é de vidro. Com quê,
Senhores meus, outro ofício: contentem-se com cheirar a sua manjerona e o seu
alecrim, que amor que entra pelo nariz não é bem que chegue ao coração.
(…)
Aparece Fagundes com manto e capelo
Fagundes
É bom sumiço! Aonde
estarão estas meninas, que há mais de quatro horas que foram à missa, e ainda
não há fumo delas? Meu Senhor, vossa mercê acaso veria por aqui duas mulheres
com uma criada?
D. Fuas
Que sinais tinham?
Fagundes
Tinha uma delas uns
sinais pretos no rosto, e a outra uns sinais de bexigas.
D. Fuas
E que mais?
Fagundes
Uma delas tem os
olhos verdes, cor de pimentão que está maduro, e a outra olhos pardos, como raiz de oliveira; uma tem
cova na barba, e a outra barba na cova; uma tem a espinhela caída, e a outra um
leicenço num braço.
D. Fuas
Com esses sinais,
nunca vi mulher nesta vida.
Fagundes
Meu Senhor, uma
delas trazia um ramo de alecrim no peito, e a outra de manjerona.
D. Fuas
Vi muito bem que são as sobrinhas de D. Lancerote.
Fagundes
Essas mesmas são!
Ora diga-me: aonde as viu?
D. Fuas
Promete vossa mercê
fazer-me quanto lhe eu pedir?
Fagundes
Ai, que coisa me
pedirá vossa mercê que lhe não faça, dizendo-me aonde estão as minhas meninas?
D. Fuas
Pois descanse, que
elas aqui estiveram, e agora foram para casa.
Fagundes
Ai, boas novas
tenho!
D. Fuas
Ora pois, em
alvíssaras desta boa nova, quero que me diga como se chama…
Fagundes
Eu? Ambrósia
Fagundes, para servir a vossa mercê.
D. Fuas
Diga como se chama a
que trazia a manjerona no peito.
Fagundes
Chama-se D. Nise.
D. Fuas
Pois Senhora
Ambrósia Fagundes, saiba que eu adoro tão excessivamente a D. Nise, que em
prémio do meu extremo me franqueou este ramo de manjerona.
Fagundes
É verdade que pelo
cheiro o conheço, que é o mesmo.
D. Fuas
E como me dizem os
impossíveis que há, de a poder comunicar, quisera dever-lhe a galantaria de ser
minha protetora nesta amorosa pretensão; e fie de mim, que o prémio há-de ser
igual ao meu desejo.
Fagundes
Meu Senhor, difícil
empresa toma vossa mercê; porque além da excessiva cautela do tio, que nisso
não se fala, uma delas está para casar com um primo, que hoje se espera de fora
da terra; e a outra qualquer dia vai a ser freira; com quê, meu Senhor,
desengane-se, que ali não há que arranhar.
D. Fuas
E qual delas é a que
casa?
Fagundes
Ainda se não sabe;
porque o noivo vem à escolha daquela que lhe mais agradar.
D. Fuas
Como o vencer
impossíveis é próprio de um verdadeiro amante, nós havemos intentar esta
empresa, saia o que sair; que a diligência é mãe de boa ventura. Favoreça-me
vossa mercê, Senhora Fagundes, com o seu voto, que eu terei bom despacho no
tribunal de Cupido: tenho dinheiro e resolução e tendo a vossa mercê da minha
parte, certo tenho o triunfo da manjerona.
Fagundes
Pois por mim não se
desmanche a festa, que eu não sou desmancha-prazeres. Esta noite o espero
debaixo da janela da cozinha. Sabe aonde é?
D. Fuas
Bem sei.
Fagundes
Pois espere-me aí,
que eu lhe direi o que há na matéria.
D. Fuas
Deixe-me beijar-lhe
os pés, ó insigne Fagundes, feliz corretora de Cupido!
Fagundes
Ai! Levante-se, Senhor; não me beije os pés,
que os tenho agora mui suados e um tanto fétidos. Descanse, Senhor, que D. Nise
há-de ser sua, apesar das cautelas do tio e das carícias do noivo.
D. Fuas
Se tal consigo, não
tenho mais que desejar.
Canta D. Fuas a seguinte
Ária
Se chego a vencer
de Nise o rigor,
de gosto morrer
você me verá.
Porém, se um favor
alenta o viver,
quem morre de amor
mais vida terá. (Vai-se)
Fagundes
Estes homens, tanto
que são amantes, logo são músicos; e eu neste entendo terei boa melgueira; e
mais eu, que sou abelha-mestra que hei-de chupar o mel da manjerona e do
alecrim!
Prado com casaria no fim.
Entram D. Clóris, D. Nise e Sevadilha com os rostos cobertos; e
D. Fuas, D. Gilvaz e Semicúpio seguindo-as
D. Fuas, D. Gilvaz e Semicúpio seguindo-as
D. Gilvaz
Diana destes bosques, cessem os acelerados desvios desse
rigor, pois quando rémora1 me suspendeis, sois íman que me atraís.
(Para D. Clóris
D. Fuas
Flora destes prados,
suspendei a fatigada porfia3 de vosso desdém, que essa discorde fuga
com que me desenganais é harmoniosa atração de meus carinhos; pois nos passos
desses retiros forma compassos o meu amor. (Para D. Nise)
Semicúpio
E tu, que vens
atrás, serás a Siringa4 destas brenhas5; e, para o seres
com mais propriedade, deixa-te ficar mais atrás, pois apesar dos esguichos de
teu rigor, hei-de ser conglutinado6 rabo-leva7 das tuas
costas. (Para Sevadilha)
D. Clóris
Cavalheiro, se é que
o sois, peço-vos que me não sigais, que mal sabeis o perigo a que me expõe a
vossa porfia8. (Para D. Gilvaz)
D. Gilvaz
Galhardo9
impossível, em cujas nubladas esferas ardem ocultos dois sóis e se abrasa
patente um coração, permiti que esta vez seja fineza a desobediência; porque
seria agravo de vossos reflexos negar-lhe o inteiro culto da visualidade desse
esplendor; porque assim, formosa ninfa, ou hei-de ver-vos ou seguir-vos, por que
conheça, já que não o sol desse oriente, ao menos o oriente desse sol.
D. Clóris
Que será de mim, se
este homem me seguir? (Aparte)
D. Nise
Já parece teima essa
porfia! Vede, Senhor, que se me seguis, que impossibilitais o meio para ver-me
outra vez.
D. Fuas
Para que são,
belíssimo encanto, esses avaros melindres do repúdio? Se já comecei a
querer-vos, como posso deixar de seguir-vos? Pois até não saber, ou quem sois,
ou aonde habitais, serei eterno girassol de vossas luzes.
Sevadilha
Ora basta já de
porfia; senão, vou revirando. (Para Semicúpio)
Semicúpio
Tem mão, sarjeta
encantadora, que com embiocadas10 denguices, feita papão das almas,
encobres olho e meio, para matares gente de meio olho! Escusados são esses
esconderelos11, pois pela unha desse melindre conheço o leão dessa
cara.
D. Clóris
Isso já parece teima.
D. Gilvaz
Isto é querer-vos.
D. Nise
Isso é porfia.
D. Fuas
É adorar-vos.
Sevadilha
Isso é empurração.
Semicúpio
Àgora! Isto é
bichancrear, pouco mais ou menos!
D. Gilvaz
Senhoras, para que
nos cansamos? Ainda que pareça grosseria não obedecer, entendei que a nossa
curiosidade e amor não permitirá que vos ausenteis, sem ao menos com a certeza
de vos tornarmos a ver, dando-nos também o seguro de onde morais, para que
possa o nosso amor multiplicar os votos na peregrinação desses animados templos
da formosura.
D Fuas
Eis ali, Senhora, o
que queremos.
Sevadilha
Em termos sem tirar
nem pôr.
D. Clóris
Pois Senhor, se só
por isso esperais, bastará que esse criado nos siga; porque de outra sorte
destruís o mesmo que edificais.
D. Gilvaz
E admitireis a minha
fineza?
D. Clóris
Sendo verdadeira,
porque não?
D. Fuas
Admitireis os
repetidos sacrifícios de meu amor?
D. Nise
Sim, se for amor
constante.
D. Gilvaz e D. Fuas
Quem essa dita me
abona?
D. Nise
Este ramo de
manjerona. (Para D. Fuas)
D. Fuas
Na minha alma o
desporei, para que sempre em virentes pompas se ostente troféu da Primavera.
D. Gilvaz
Mereça eu igual
favor para segurança da vossa palavra.
D. Clóris
Este ramo de
alecrim, que tem as raízes no meu coração, seja o fiador que me abone.
D. Gilvaz
Por único na minha
estimação será este alecrim o Fénix das plantas, que, abrasando-se nos
incêndios de meu peito, se eternizará no seu mesmo ardor.
Semicúpio
Isso é bom, segurar
o barco; mas a tácita hipoteca não me cheira muito, digam o que quiserem os
jardineiros.
D. Clóris
Cada uma de nós
estima tanto qualquer dessas plantas, que mais fácil será perder a vida, do que
elas percam o crédito de verdadeiras.
Semicúpio
Ai! Basta, basta! Já
aqui não está quem falou. Vossas mercês perdoem que eu não sabia que eram do
rancho do alecrim e manjerona. Resta-me também que tu, cozinheirazinha, vivas
arranchada com alguma ervinha que me dês por prenda, pois também me quero
segurar.
Sevadilha
Eis aí tem esse
malmequer, que este é o meu rancho. Estime-o bem; não o deixe murchar.
Semicúpio
Ditoso seria eu, se
o teu malmequer se murchasse!
D. Clóris
Pois Senhor, como
estais satisfeito, desejarei estimásseis esse ramo, não tanto como prenda
minha, mas por ser de alecrim.
D. Nise
O mesmo vos
recomendo da manjerona.
D. Clóris
Advertindo que
aquele que mais extremos fizer a nosso respeito coroará de triunfos a manjerona
ou alecrim, para que se veja qual destas duas plantas tem mais poderosos
influxos para vencer impossíveis.
D. Nise
Desejaria que
triunfasse a manjerona. (Vai-se)
D. Clóris
E eu o alecrim. (Vai-se)
Sevadilha
Cuidado no
malmequer! (Vai-se)
Semicúpio
Cuidado no
bem-me-quer!
D. Gilvaz
Ó Semicúpio vai
seguindo-as, para sabermos aonde moram. Anda; não as percas de vista.
Semicúpio
Elas já lá vão a
perder de vista; mas eu pelo faro as encontrarei, que sou lindo perdigueiro
para estas caçadas. (Vai-se)
D. Fuas
Quem serão, amigo D.
Gilvaz, essas duas mulheres?
D. Gilvaz
Essa pergunta não
tem resposta, pois bem vistes o cuidado com que vendaram o rosto, para ferir os
corações como Cupido; mas, pelo bom tratamento e asseio, indicam ser gente
abastada.
D. Fuas
Oxalá que assim
fora, porque em tal caso, admitindo os meus carinhos, poderei com a fortuna de
esposo ser meeiro no cabedal.
D. Gilvaz
Ai, amigo D. Fuas,
que direi eu, que ando pingando, pois já não morro de fome, por não ter sobre
que cair morto?
D. Fuas
Elas foram aturdidas
com palanfrórios.
D. Gilvaz
Já que do mais somos
famintos, ao menos sejamos fartos de palavras.
Entra Semicúpio
Semicúpio
Já fica assinalada
na carta de marear toda a costa, de leste a oeste, com seus cachopos e baixios!
D. Gilvaz
Aonde moram?
Semicúpio
São as nossas
vizinhas, sobrinhas de D. Lancerote, aquele mineiro velho que veio das minas o
ano passado.
D. Fuas
Basta que são essas!
Por isso elas cobriram o rosto!
Semicúpio
Isso têm elas, que
não são descaradas; antes são tão sisudas, que nunca encararam para ninguém.
D. Gilvaz
Uma delas sei eu que
se chama D. Clóris.
Semicúpio
E a outra D. Nise.
Isso sabia eu há muito tempo.
D. Fuas
E como saberei eu
qual delas é a da manjerona?
Semicúpio
Isso é fácil! Em
sabendo-se qual é a do alecrim, logo se sabe qual é a manjerona!
D. Fuas
Grande subtileza!
Vamos D. Gil.
Semicúpio
Já que se vão,
advirtam de caminho que, segundo as notícias que tenho, bem podem desistir da
empresa; porque o velho é tão cioso das sobrinhas, como do dinheiro. A casa é
um recolhimento; as portas, de bronze; as janelas, de encerado; as frestas são
óculos de ver ao longe, que nem ao perto se veem; as trapeiras são zimbórios
tão altos, que nem as nuvens lhes passam por alto; as paredes do jardim são
mestras e as chaves das portas discípulas, porque ainda não sabem abrir; mas só
o bem que há, e é que tendo tudo tão forte, só o telhado é de vidro. Com quê,
Senhores meus, outro ofício: contentem-se com cheirar a sua manjerona e o seu
alecrim, que amor que entra pelo nariz não é bem que chegue ao coração.
(…)
Aparece Fagundes com manto e capelo
Fagundes
É bom sumiço! Aonde
estarão estas meninas, que há mais de quatro horas que foram à missa, e ainda
não há fumo delas? Meu Senhor, vossa mercê acaso veria por aqui duas mulheres
com uma criada?
D. Fuas
Que sinais tinham?
Fagundes
Tinha uma delas uns
sinais pretos no rosto, e a outra uns sinais de bexigas.
D. Fuas
E que mais?
Fagundes
Uma delas tem os
olhos verdes, cor de pimentão que está maduro, e a outra olhos pardos, como raiz de oliveira; uma tem
cova na barba, e a outra barba na cova; uma tem a espinhela caída, e a outra um
leicenço num braço.
D. Fuas
Com esses sinais,
nunca vi mulher nesta vida.
Fagundes
Meu Senhor, uma
delas trazia um ramo de alecrim no peito, e a outra de manjerona.
D. Fuas
Vi muito bem que são as sobrinhas de D. Lancerote.
Fagundes
Essas mesmas são!
Ora diga-me: aonde as viu?
D. Fuas
Promete vossa mercê
fazer-me quanto lhe eu pedir?
Fagundes
Ai, que coisa me
pedirá vossa mercê que lhe não faça, dizendo-me aonde estão as minhas meninas?
D. Fuas
Pois descanse, que
elas aqui estiveram, e agora foram para casa.
Fagundes
Ai, boas novas
tenho!
D. Fuas
Ora pois, em
alvíssaras desta boa nova, quero que me diga como se chama…
Fagundes
Eu? Ambrósia
Fagundes, para servir a vossa mercê.
D. Fuas
Diga como se chama a
que trazia a manjerona no peito.
Fagundes
Chama-se D. Nise.
D. Fuas
Pois Senhora
Ambrósia Fagundes, saiba que eu adoro tão excessivamente a D. Nise, que em
prémio do meu extremo me franqueou este ramo de manjerona.
Fagundes
É verdade que pelo
cheiro o conheço, que é o mesmo.
D. Fuas
E como me dizem os
impossíveis que há, de a poder comunicar, quisera dever-lhe a galantaria de ser
minha protetora nesta amorosa pretensão; e fie de mim, que o prémio há-de ser
igual ao meu desejo.
Fagundes
Meu Senhor, difícil
empresa toma vossa mercê; porque além da excessiva cautela do tio, que nisso
não se fala, uma delas está para casar com um primo, que hoje se espera de fora
da terra; e a outra qualquer dia vai a ser freira; com quê, meu Senhor,
desengane-se, que ali não há que arranhar.
D. Fuas
E qual delas é a que
casa?
Fagundes
Ainda se não sabe;
porque o noivo vem à escolha daquela que lhe mais agradar.
D. Fuas
Como o vencer
impossíveis é próprio de um verdadeiro amante, nós havemos intentar esta
empresa, saia o que sair; que a diligência é mãe de boa ventura. Favoreça-me
vossa mercê, Senhora Fagundes, com o seu voto, que eu terei bom despacho no
tribunal de Cupido: tenho dinheiro e resolução e tendo a vossa mercê da minha
parte, certo tenho o triunfo da manjerona.
Fagundes
Pois por mim não se
desmanche a festa, que eu não sou desmancha-prazeres. Esta noite o espero
debaixo da janela da cozinha. Sabe aonde é?
D. Fuas
Bem sei.
Fagundes
Pois espere-me aí,
que eu lhe direi o que há na matéria.
D. Fuas
Deixe-me beijar-lhe
os pés, ó insigne Fagundes, feliz corretora de Cupido!
Fagundes
Ai! Levante-se, Senhor; não me beije os pés,
que os tenho agora mui suados e um tanto fétidos. Descanse, Senhor, que D. Nise
há-de ser sua, apesar das cautelas do tio e das carícias do noivo.
D. Fuas
Se tal consigo, não
tenho mais que desejar.
Canta D. Fuas a seguinte
Ária
Se chego a vencer
de Nise o rigor,
de gosto morrer
você me verá.
Porém, se um favor
alenta o viver,
quem morre de amor
mais vida terá. (Vai-se)
Fagundes
Estes homens, tanto
que são amantes, logo são músicos; e eu neste entendo terei boa melgueira; e
mais eu, que sou abelha-mestra que hei-de chupar o mel da manjerona e do
alecrim!
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