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03/10/10

Literatura Apocalíptica

A palavra apocalipse, do grego αποκάλυψις (termo primeiramente usado por F. Lücke) (1832) significa, em grego, "Revelação". Um "apocalipse", na terminologia do judaísmo e do cristianismo, é a revelação divina de coisas que até então permaneciam secretas a um profeta escolhido por Deus. Por extensão, passou-se a designar de "apocalipse" aos relatos escritos dessas revelações.

Apocalipse é um género de literatura revelatória com uma estrutura narrativa, na qual a revelação é mediada por um ser do outro mundo a um receptor humano, revelando uma realidade transcendente que é simultaneamente temporal, na medida em que busca salvação escatológica, e também espacial, na medida em que envolve outro mundo.


Expressa por intermédio de símbolos e complexas metáforas a situação de sofrimento do povo judeu ou dos seguidores de Cristo e sua esperança em uma intervenção messiânica salvadora ou, no caso da apocalíptica cristã, na Parusia ou segunda vinda de Cristo.


A Literatura Apocalíptica é um género literário que encontra representantes tanto na literatura canónica, quanto fora dela.

Na literatura canónica, destaca-se Daniel no Antigo Testamento; e o Apocalipse de João no Novo.
Na literatura extra canónica existem vários exemplos do género, citamos: O Apocalipse de Baruc, o Livro dos Jubileus, os Oráculos Sibilinos, os Salmos de Salomão, a Assunção de Moisés, o Apocalipse de Enoque, a Vida de Adão e Eva, o Apocalipse de Abraão, o Apocalipse de Pedro, o Apocalipse de Paulo, o Apocalipse de Tomé e o Pastor de Hermas.

A literatura apocalíptica distingue-se da profecia por vários aspectos, entre eles mencionamos: o carácter esotérico, o sofrimento dos santos aliado à esperança de libertação final mediante intervenção divina, grande julgamento intervindo na história, a vinda do futuro não como consequência do presente, e a visão dos ímpios como adversários de Deus. Outras características são: conflito cósmico, combate entre dois adversários fortes, relato em forma de visão, e atribuição de autoria a um famoso personagem do passado.

É a partir do século II a.C., no momento das grandes crises nacionais, quando Israel, agredido por outros povos, corre o risco de desaparecer como nação, que a apocalíptica floresce com grande força.

Há três fases marcantes na história da apocalíptica:
• a época da guerra dos Macabeus contra Antíoco IV Epífanes e o partido helenizante, no séc. II a.C.
• a partir do domínio romano, que se inicia com Pompeu em 63 a.C.
• durante as guerras judaicas contra os romanos em 66-73 d.C. e 131-135 d.C.

A literatura apocalíptica funciona como uma literatura de resistência: através da escrita, Israel se manifesta vivo e actuante. Os céus estão fechados? A história, porém, é ainda possível: através do livro, manifesta-se o Espírito, que garante a identidade do povo de Israel.

Provavelmente a mais antiga obra da apocalíptica judaica, o livro de Daniel é uma peça literária de resistência escrita na época da luta dos Macabeus contra a helenização no século II a.C.
Daniel não é o autor do livro. Estamos frente a um texto apocalíptico, escrito em 164 a.C., cujo autor se esconde por trás de um pseudónimo. Daniel (= Deus julga) talvez jamais tenha existido, embora haja pistas de um certo Danel em Ez 14,14.20;28,3 e um Dnil que aparece no poema de Aqhat encontrado em Ugarit, e que podem ter inspirado o legendário personagem bíblico.
Ez 14,14.20 cita Danel, o sábio Daniel , um jovem judeu de Jerusalém, é o protagonista desta narrativa que estrategicamente é situada na época dos reis babilónicos e persas, no tempo do exílio.

"Para a população em geral a demora em se cumprirem as promessas proféticas pré-exílicas e exílicas simplesmente levantou dúvidas sobre a autoridade dos próprios profetas, dúvidas que foram reforçadas pelo fato de os oráculos dos profetas jerosolimitanos não se terem cumprido. Por esta razão, ao povo pode ter diminuído constantemente a vontade de reconhecer a autoridade de profetas de qualquer tipo, e, faltando o necessário apoio social, os profetas deixaram de existir".
Mas a falência da profecia deixa um vazio que precisa ser preenchido, pois os problemas continuam. É aí que surge a apocalíptica. Neste sentido, a apocalíptica é filha e herdeira da profecia. Parece que grupos proféticos marginalizados pelo crescente poder sacerdotal vão sendo empurrados na direcção da apocalíptica.

Com a apocalíptica - e é aí que se situa a grande diferença - operava-se, portanto, a passagem do profeta que fala, para o profeta que escreve, da era do oráculo para a era do livro.

O apocalipse não é apenas um livro, ele é todo um género literário. O livro que fecha a Bíblia cristã, o Apocalipse de João de Patmos, é um apocalipse entre centenas de outros: a sua distinção maior é a de ter sido canonizado. O género apocalíptico floresceu no Oriente Médio, nos séculos I e II aC, e aparece nas literaturas judaica, cristã, gnóstica, grega, persa e latina. A essência de um apocalipse não é o fim do mundo, como geralmente se pensa, mas uma revelação do futuro glorioso que aguarda os escolhidos do Senhor. Naturalmente, para tanto, o mundo anterior, como era antes, dos velhos e hereges poderosos, precisará ser destruído - mas esse é somente um detalhe operacional. O mais importante é a vitória total, incontestável e eterna do povo de Deus - aliás, o público-alvo da história.

O conflito no qual termina o mundo anterior e começa o novo opera em nível cósmico - o céu se enrola sobre si mesmo, estrelas caem como figos de uma figueira, povos inteiros são destruídos.

Outra característica do género apocalíptico é sua relação problemática e contraditória com a História. Por um lado, cada apocalipse se escreve em resposta a uma situação histórica concreta, via de regra a submissão a algum conquistador mais forte. Entretanto, os apocalipses não se preocupam com a história passada e sim com a que virá, com a enumeração dos fatos históricos que ainda acontecerão antes do fim dos tempos e da vitória final dos escolhidos. De um modo ou de outro, a história, pregressa ou progressa, está sempre presente nos apocalipses.

Os apocalipses surgem em situações históricas específicas, tempos de grande opressão e perseguição, quando os fiéis já não têm mais esperanças de libertação. O autor do apocalipse acredita estar vivendo no pior dos mundos e escreve para leitores que compartilham dessa opinião. É uma literatura em crise, uma tentativa de organizar e entender um mundo avassalador que já não faz mais sentido. Também é uma literatura de crítica social, escrita por uma minoria descontente, impotente e desprivilegiada.

Por isso mesmo, a narrativa apocalíptica é uma tentativa de impor ordem a um universo que, do ponto de vista da comunidade oprimida, não faz mais sentido.

Uma primeira distinção importante deve ser feita: os livros proféticos são eminentemente orais: tratam, em larga medida, de registar as visões e a pregação de um profeta, ou seja, o registo do que ele disse, para serem lidos alto para indivíduos que precisem ouvi-los já os livros apocalípticos nascem como livros: são o registo escrito das visões de um profeta que conta ele mesmo o que viu, para serem lidos pelos fiéis. A maior diferença, entretanto, é a seguinte: o objectivo dos livros proféticos era mudar o comportamento de seus leitores - ou ouvintes. O povo não estava agindo de maneira justa, tinha perdido os caminhos do Senhor, se entregaram à idolatria, etc., e era o trabalho do profeta avisá-los de sua perdição iminente e lembrá-los da palavra de Deus. Caso não mudassem, naturalmente, o castigo divino seria terrível, mas o objectivo era fazê-los mudar e, assim, mudar o mundo. A literatura apocalíptica, apesar de ter em comum as visões proféticas, tem objectivos completamente diferentes: o autor apocalíptico já desistiu de mudar o mundo real. Ele escreve para uma comunidade desesperada, subalterna, frustrada, explorada, que já não vê mais saída de sua actual situação de dominação. O que faz nascer o género apocalíptico é justamente uma situação de impotência, uma percepção de que a comunidade não tem o que fazer nem como mudar o mundo: suas vias de acção estão fechadas. Um autor apocalíptico escreve não para convencer seus leitores, pregar seu arrependimento, fazê-los mudar: ele escreve justamente porque eles já não podem mais mudar; para consolá-los de que sua situação de impotência não será eterna, de que tudo é parte do plano de Deus, que seus opressores sofrerão para sempre e que a hora de sua vitória inevitável e da felicidade eterna está chegando. O profeta está sempre falando sobre o mundo real: o castigo, se vier, será administrado por exércitos inimigos e a recompensa, se for merecida, virá na forma de viver em paz na sua terra. Já o autor apocalíptico abandonou o mundo real: ele não oferece conselhos práticos, nem mesmo sobre como melhor tolerar a opressão: seu tema é cósmico, literalmente o Deus que salvará o povo.

Outra característica importante da literatura apocalíptica é ser hermética: por definição, os apocalipses são escritos para revelar (aos escolhidos) e para esconder (aos não-iniciados). Um de seus pressupostos é que os acontecimentos contemporâneos, se correctamente compreendidos, podem servir de "sinal dos tempos" para revelar a iminência do fim. Embora muitas vezes nos pareçam incompreensíveis e aleatórias, as imagens dos apocalipses vinham de longas tradições judaicas e mesopotâmicas, articulada e trabalhadas há centenas de anos.

Tradicionalmente, o apocalipse incluía catástrofe e devastação, sim, mas somente para os maus e para os ímpios; para os bons e para os fiéis, o apocalipse seria ocasião de felicidade e de vitória.

A literatura apocalíptica é bipolar. A literatura apocalíptica é uma literatura produzida e consumida dentro de uma comunidade que está tentando lidar com uma enorme perda: de poder secular e religioso, de autonomia, de liberdade e, por outro lado, traz uma sensação insuperável de júbilo e felicidade pela vitória final diante do maior de todos os inimigos.

Esta categoria de literatura foi identificada, pela maioria dos estudiosos eruditos, como “panfletos para tempos difíceis”

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