8- A mulher na Idade Média
O conceito pejorativo de Idade Média que comummente é propalado deve-se, em parte, aos preconceitos dos pensadores dos seculos XVI e seguintes, os quais, movidos por premissas anticatólicas e anticristãs, tinham interesse em denegrir a Idade Média.
Sabe-se hoje que esta, não tendo sido perfeita, nao foi bárbara nem obscurantista, como se disse.
Teve até gestos e valores que suscitariam rubor no homem moderno, começando logo pela extinção da escravatura, no começo da Idade Média, para dar lugar ao regime do servo da gleba, respeitando os direitos do pequeno camponês; todavia a escravatura foi restaurada no século XVI nas terras da América, onde vigorou o colonialismo.
Através das fontes existentes (cartulários, estatutos das cidades, documentos judiciários, etc.), podem-se colher pormenores relativos à vida quotidiana da mulher medieval.
É surpreendente o quadro que se delineia a partir da concatenação desses dados. Assim, por exemplo, as mulheres votavam. Por ocasião dos Estados Gerais de 1308 as mulheres são explicitamente citadas entre as votantes em diversas partes do territorio francês, sem que isto venha apresentado como uso particular do lugar. É conhecido o caso de Gaillardine de Frechou, que, diante de um arrendamento proposto aos habitantes de Cauterets nos Pirenéus pela abadia de Saint-Savin, foi a única a votar NÃO, quando todo o resto da população votou SIM.
Nas actas de tabeliães é muito frequente ver uma mulher casada agir por si mesma: abre, por exemplo, uma loja ou uma venda, sem ser obrigada a apresentar autorização do marido. Os registos de impostos, desde que foram conservados (como em Paris, a partir de fins do século XIII), mostram multidões de mulheres a exercer as funções de professora, médica, boticária, estucadora, tintureira, copista, miniaturista, encadernadora, etc.
Na Idade média o período de maior consideração de que gozaram as mulheres durou até ao ressurgimento do Direito Romano que, principiando no século XI, atingiu a plenitude a partir do Século XVI. Com este a importância da mulher diminuíu.
O Direito Romano fundamentou o menosprezo da mulher a partir do século XVI; o que teve ulteriores consequências no modo de pensar e agir da sociedade em relação à mulher e a outros valores da sociedade.
Na verdade, o Direito Romano nao era favorável à mulher nem à criança; era um Direito monárquico, que exaltava o paterfamilias, pai, proprietário, chefe da familia com poderes sagrados, sem limites no tocante aos filhos (tinha sobre estes direito de vida e de morte) e à esposa.
Por exemplo, na fase anterior a do Direito Romano a rainha era coroada e atribuia-se a coroação da rainha tanto valor quanto a do rei. À medida que o Direito Romano foi ascendendo, a coroação das rainhas foi sendo considerada menos importante que a dos reis. No século XVII a rainha desaparece literalmente da cena em proveito da ¡°favorita¡±. Outro exemplo, na sua epoça, Eleonora de Aquitania (+ 1204) e Branca de Castela (+ 1252) exerceram autoridade sem contestacao nos casos de ausencia do rei, doente ou morto; tiveram as suas chancelarias, alfandegas e sectores de actividade pessoal. A primeira disposição que afastava a mulher da sucessao ao trono foi tomada por Filipe IV, o Belo (1285-1314), sob a influência de juristas romanos.
Note-se ainda a propósito que a partir de fins do século XVII a mulher é obrigada a tomar o nome do marido.
De resto, observe-se que a Idade Média se encerra com a figura de Joana D.Arc (+ 1431), jovem que, nos seculos seguintes, jamais teria conseguido obter a audiência e suscitar a confiança que lhe foram outorgadas no século XV.
Outro caso merece especial registo, o pregador de penitência Roberto de Arbrissel (+ 1117) conseguiu levar tanta gente à conversão que houve por bem fundar a Ordem de Fontevrault em 1100/1101, com base na Regra de S. Bento. Esta Ordem distinguiu-se pela penitência severa e pelos 1ºs mosteiros duplos: entre um cenóbio de homens e outro de mulheres achava-se a Igreja, único lugar em que monges e monjas se podiam encontrar. Ora a direcção suprema desses mosteiros duplos competia, em honra da Santa Mae de Deus, à abadessa de Fontevrault; esta devia ser viuva, tendo feito a experiência do casamento.
Somente no fim do século XVI, por decreto do Parlamento francês datado de 1593, a mulher foi explicitamente afastada de toda a função de Estado. A influência crescente do Direito Romano finalmente confinou a mulher às suas tarefas peculiares de cuidar da casa e educar os filhos.
(Nota: no século XIX, mediante o Código de Napoleão, o processo de despojamento da mulher deu novo passo: deixou de ser reconhecida como senhora dos seus próprios bens, e, em casa mesmo, passou a exercer papel subalterno).
No fim da Idade Média e depois, os legisladores foram retirando a mulher tudo o que lhe conferia alguma autonomia ou instrução. A mulher foi excluída da vida eclesiástica e da vida intelectual. O movimento precipitou-se quando no começo do século XVI foi reconhecido ao rei Francisco I da França (1515-1547) o direito de nomear abades e abadessas; inspiradas por critérios políticos, tais nomeações acarretaram a decadência de muitas casas religiosas.
(A reacção a tal estado de coisas tem ocorrido nos últimos tempos mas de maneira decepcionante, pois a mulher parece preocupada exclusivamente na conquista de equiparação ao homem: quer imitar o homem, exercer as mesmas funções que este, adoptar os hábitos do seu parceiro, sem se questionar a respeito do que ela reproduz, ou sem pensar em salvar a sua própria identidade e originalidade! Ora isto prejudica não só a mulher, mas tambem a própria sociedade, pois esta precisa de valores peculiares da mulher e da feminilidade!)
Foi no século XVI que infelizmente se restaurou o regime da escravatura romana, que a Idade Média não conheceu, e que persistiu até ao século passado. Vê-se, pois, que, sob este aspecto, a Idade Média está longe de ter sido obscurantista.
O conceito pejorativo de Idade Média que comummente é propalado deve-se, em parte, aos preconceitos dos pensadores dos seculos XVI e seguintes, os quais, movidos por premissas anticatólicas e anticristãs, tinham interesse em denegrir a Idade Média.
Sabe-se hoje que esta, não tendo sido perfeita, nao foi bárbara nem obscurantista, como se disse.
Teve até gestos e valores que suscitariam rubor no homem moderno, começando logo pela extinção da escravatura, no começo da Idade Média, para dar lugar ao regime do servo da gleba, respeitando os direitos do pequeno camponês; todavia a escravatura foi restaurada no século XVI nas terras da América, onde vigorou o colonialismo.
Através das fontes existentes (cartulários, estatutos das cidades, documentos judiciários, etc.), podem-se colher pormenores relativos à vida quotidiana da mulher medieval.
É surpreendente o quadro que se delineia a partir da concatenação desses dados. Assim, por exemplo, as mulheres votavam. Por ocasião dos Estados Gerais de 1308 as mulheres são explicitamente citadas entre as votantes em diversas partes do territorio francês, sem que isto venha apresentado como uso particular do lugar. É conhecido o caso de Gaillardine de Frechou, que, diante de um arrendamento proposto aos habitantes de Cauterets nos Pirenéus pela abadia de Saint-Savin, foi a única a votar NÃO, quando todo o resto da população votou SIM.
Nas actas de tabeliães é muito frequente ver uma mulher casada agir por si mesma: abre, por exemplo, uma loja ou uma venda, sem ser obrigada a apresentar autorização do marido. Os registos de impostos, desde que foram conservados (como em Paris, a partir de fins do século XIII), mostram multidões de mulheres a exercer as funções de professora, médica, boticária, estucadora, tintureira, copista, miniaturista, encadernadora, etc.
Na Idade média o período de maior consideração de que gozaram as mulheres durou até ao ressurgimento do Direito Romano que, principiando no século XI, atingiu a plenitude a partir do Século XVI. Com este a importância da mulher diminuíu.
O Direito Romano fundamentou o menosprezo da mulher a partir do século XVI; o que teve ulteriores consequências no modo de pensar e agir da sociedade em relação à mulher e a outros valores da sociedade.
Na verdade, o Direito Romano nao era favorável à mulher nem à criança; era um Direito monárquico, que exaltava o paterfamilias, pai, proprietário, chefe da familia com poderes sagrados, sem limites no tocante aos filhos (tinha sobre estes direito de vida e de morte) e à esposa.
Por exemplo, na fase anterior a do Direito Romano a rainha era coroada e atribuia-se a coroação da rainha tanto valor quanto a do rei. À medida que o Direito Romano foi ascendendo, a coroação das rainhas foi sendo considerada menos importante que a dos reis. No século XVII a rainha desaparece literalmente da cena em proveito da ¡°favorita¡±. Outro exemplo, na sua epoça, Eleonora de Aquitania (+ 1204) e Branca de Castela (+ 1252) exerceram autoridade sem contestacao nos casos de ausencia do rei, doente ou morto; tiveram as suas chancelarias, alfandegas e sectores de actividade pessoal. A primeira disposição que afastava a mulher da sucessao ao trono foi tomada por Filipe IV, o Belo (1285-1314), sob a influência de juristas romanos.
Note-se ainda a propósito que a partir de fins do século XVII a mulher é obrigada a tomar o nome do marido.
De resto, observe-se que a Idade Média se encerra com a figura de Joana D.Arc (+ 1431), jovem que, nos seculos seguintes, jamais teria conseguido obter a audiência e suscitar a confiança que lhe foram outorgadas no século XV.
Outro caso merece especial registo, o pregador de penitência Roberto de Arbrissel (+ 1117) conseguiu levar tanta gente à conversão que houve por bem fundar a Ordem de Fontevrault em 1100/1101, com base na Regra de S. Bento. Esta Ordem distinguiu-se pela penitência severa e pelos 1ºs mosteiros duplos: entre um cenóbio de homens e outro de mulheres achava-se a Igreja, único lugar em que monges e monjas se podiam encontrar. Ora a direcção suprema desses mosteiros duplos competia, em honra da Santa Mae de Deus, à abadessa de Fontevrault; esta devia ser viuva, tendo feito a experiência do casamento.
Somente no fim do século XVI, por decreto do Parlamento francês datado de 1593, a mulher foi explicitamente afastada de toda a função de Estado. A influência crescente do Direito Romano finalmente confinou a mulher às suas tarefas peculiares de cuidar da casa e educar os filhos.
(Nota: no século XIX, mediante o Código de Napoleão, o processo de despojamento da mulher deu novo passo: deixou de ser reconhecida como senhora dos seus próprios bens, e, em casa mesmo, passou a exercer papel subalterno).
No fim da Idade Média e depois, os legisladores foram retirando a mulher tudo o que lhe conferia alguma autonomia ou instrução. A mulher foi excluída da vida eclesiástica e da vida intelectual. O movimento precipitou-se quando no começo do século XVI foi reconhecido ao rei Francisco I da França (1515-1547) o direito de nomear abades e abadessas; inspiradas por critérios políticos, tais nomeações acarretaram a decadência de muitas casas religiosas.
(A reacção a tal estado de coisas tem ocorrido nos últimos tempos mas de maneira decepcionante, pois a mulher parece preocupada exclusivamente na conquista de equiparação ao homem: quer imitar o homem, exercer as mesmas funções que este, adoptar os hábitos do seu parceiro, sem se questionar a respeito do que ela reproduz, ou sem pensar em salvar a sua própria identidade e originalidade! Ora isto prejudica não só a mulher, mas tambem a própria sociedade, pois esta precisa de valores peculiares da mulher e da feminilidade!)
Foi no século XVI que infelizmente se restaurou o regime da escravatura romana, que a Idade Média não conheceu, e que persistiu até ao século passado. Vê-se, pois, que, sob este aspecto, a Idade Média está longe de ter sido obscurantista.
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