A visão rectangular de Portugal é
o resultado da História e da readaptação do Estado português ao mundo da
descolonização europeia da segunda metade do século XX.
A imposição da unidade de crença
data do século XVI, mas os últimos vestígios da antiga pluralidade religiosa
foram apagados só no século XVIII e alguns traços sobreviveram mesmo até ao
século XX, nas comunidades de «marranos» (judeus forçados à conversão).
Mas no princípio do século XX, a
população do estado português, apesar de viver em meios sociais e ecológicos
diversos, deverá ter sido, do ponto de vista do Estado, das mais homogéneas de
qualquer Estado europeu, grande ou pequeno, no sentido em que não havia identidades
concorrentes – étnicas, religiosas, regionais – que pusessem em causa a comum
identidade nacional, cultivada pelo poder político.
O Estado português nunca foi uma
grande potência, a não ser localmente, mesmo nas épocas de maior expansão
ultramarina. Esta, a partir do século XV, assentou quase sempre numa utilização
económica dos recursos pelo Estado e por muitos particulares, e investiu mais
no controlo das vias de comunicação do que na ocupação territorial – as excepções
mais relevantes foram o Brasil e as ilhas atlânticas. O entanto, os portugueses
conseguiram, especialmente no século XVII, enfrentar várias potências europeias
aproveitando o antagonismo entre elas.
Globalmente, Portugal deve ter sido
dos Estados com menos anos de guerra com outras potências europeias a partir do
século XVIII. Enquanto os confrontos na Europa estiveram centrados na
rivalidade entre a Inglaterra e a França, Portugal viu-se por vezes
directamente envolvido nos conflitos continentais, o que aconteceu até ao
princípio do século XIX, e ocasionou várias ofensivas sobre o território
metropolitano português a partir de Espanha, a última das quais pelos exércitos
de Napoleão Bonaparte em 1807-1812. Mas depois do terceiro quartel do século
XIX, quando a competição pelo predomínio da Europa passou a ter, como principal
protagonista, a Alemanha, Portugal tendeu a ficar à margem. A participação na
Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foi desejada e forçada pelo Governo português
de então, ao contrário do que acontecera geralmente com as guerras europeias do
século XVIII. Mesmo assim a guerra não atingiu directamente o território
metropolitano. Durante a Segunda Guerra mundial (1939-1945), o Governo fez
todos os esforços para conservar a neutralidade e explorar as suas vantagens.
Portugal foi assim um dos países
poupados à terrível experiência de guerra generalizada que marcou as populações
europeias em meados do século XX. Mas na segunda metade do século XX houve um
esforço continuado para inserir Portugal nos esquemas de segurança colectiva da
Europa Ocidental sob a égide dos Estados Unidos da América, como o representado
pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (1949) e no processo de
integração europeia, primeiro num plano apenas económico , durante o Estado
Novo (1933-1974), e depois também político, com a consolidação do regime
democrático que emergiu da revolução do 25 de Abril de 1974. A partir da adesão
de Portugal à CEE (1986), o país foi «europeizado» e aproximou-se dos modelos
sociais e dos níveis de bem-estar do resto da Europa Ocidental – graças, aliás,
a uma transformação social e económica que se acelerou a partir da década de 1950
e fez dos portugueses durante algum tempo um exemplo feliz de prosperidade
através da integração nos mercados globais desenvolvidos depois da Segunda
Guerra Mundial.
No entanto, houve o cuidado de
manter laços com Estados de língua portuguesa constituídos nos territórios de
antiga expansão ultramarina, nomeadamente através da Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa, fundada em 17 de Julho de 1996.
Os movimentos de população
propiciados pela globalização no fim do século XX constituíram também em
Portugal importantes comunidades de imigrantes originários desses países, reforçando
assim os contactos entre os Estados de língua portuguesa. Até por aí, a memória
da antiga expansão ultramarina não se reduzirá tão cedo a uma simples questão
de erudição ou evocação livresca.
Sem comentários:
Enviar um comentário